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Trabalho e estudo: comerciantes em Via Sacra no DF buscam sonhos

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“Olha o salgadinho… cinco reais”. Matheus de Souza, de 27 anos, esperava, nesta sexta-feira da Paixão (18), os momentos de silêncio da missa que abria o tradicional espetáculo da Via Sacra, em Planaltina, a 50 quilômetros de Brasília, para oferecer ao público os produtos que carregava nos braços havia mais de três horas. 


Brasília (DF),  18/04/2025.- Matheus Souza, fala com a reportagem da Agência Brasil, antes da cerimonia da Via sacra do Morro da Capelinha.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Brasília (DF),  18/04/2025.- Matheus Souza, fala com a reportagem da Agência Brasil, antes da cerimonia da Via sacra do Morro da Capelinha.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Matheus Souza, que sonha com um emprego fixo e a volta à escola, vende salgadinhos aos fiéis na Via Sacra – Antonio Cruz/Agência Brasil

Matheus se disse orgulhoso de ter o nome de um dos apóstolos de Cristo. O rapaz queria garantir a venda, mas também pedir ao xará, São Matheus, e até a Jesus Cristo, que ressuscitaria lá na frente dele, no alto do Morro da Capelinha, um emprego fixo e a chance de voltar a estudar para poder cuidar melhor das duas filhas crianças. Matheus é pai solo e, mesmo tão jovem, diz que os sonhos são como “milagre”. 

“Estudei só até a quinta série. Nem sei ler direito”.

Justo ele, que trabalha como auxiliar de limpeza em uma escola particular, mas que não tem recurso para entrar em uma sala de aula daquelas, de um preço tão salgado que ele nem sabe quantificar. A rotina no batente, de todos os dias que não são santos, vai das 9h às 18h.

Assim que o expediente termina, Matheus vai para o segundo turno, até as 22h, vendendo em sinais de trânsito os sacos de salgadinhos que tentava oferecer na Via Sacra em Planaltina. Assim que chega em casa, busca as meninas na casa da avó para contar histórias a elas e começar tudo de novo no dia seguinte.

Letras decoradas


Brasília (DF),  18/04/2025.- José Elinton, fala com a reportagem da Agência Brasil, antes da cerimonia da Via sacra do Morro da Capelinha.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Brasília (DF),  18/04/2025.- José Elinton, fala com a reportagem da Agência Brasil, antes da cerimonia da Via sacra do Morro da Capelinha.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O milagre que o cearense José Silva espera, enquanto vende batata frita, é “se virar” e, quem sabe, retomar os estudos – Antonio Cruz/Agência Brasil

Outra espera de milagre tem o nome do pai de Jesus. Na Via Sacra de Planaltina, o cearense José Silva, de 40 anos, vendia batata frita. Aliás, essa atividade de comércio ele conhece desde criança, em Juazeiro do Norte. Há 20 anos mudou para Brasília e, desde então, busca a sobrevivência em pequenos bicos de venda até no transporte público. Hoje, mais que ele mesmo, precisa levar o sustento para os cinco filhos em Águas Lindas de Goiás. 

O problema é que José se considera analfabeto. Estudou apenas até a segunda série. Para embarcar no ônibus, decorou as primeiras duas letras iniciais e as últimas duas do letreiro. 

“Seria um milagre voltar a estudar, mas só se Deus quisesse mesmo”. Neste sábado, o percurso, de 85 quilômetros até o trabalho, demorou mais de cinco horas. “Quem está sem trabalho precisa se virar mesmo. Amanhã será outro dia”, afirmou.

Voluntários

A 52ª edição do espetáculo da Via Sacra de Planaltina, uma das regiões administrativas do Distrito Federal, foi dirigida pelo dramaturgo Preto Rezende, o público, que costuma chegar a 100 mil pessoas, e os comerciantes, todos acompanharam a captura, o julgamento, a tortura, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo em 14 estações, com a participação de 1,4 mil pessoas, entre técnicos, atores e figurantes, que atuam voluntariamente. 

As pessoas são recrutadas na própria comunidade. Enquanto a emoção toma conta dos presentes, há grupos que pagam promessas, cantam e rezam lembrando de sua própria trajetória. 

Cocos e flores


Brasília (DF),  18/04/2025.- Artesã, Carlos Fabrício Silva, fala com a reportagem da Agência Brasil, antes da cerimonia da Via sacra do Morro da Capelinha.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Brasília (DF),  18/04/2025.- Artesã, Carlos Fabrício Silva, fala com a reportagem da Agência Brasil, antes da cerimonia da Via sacra do Morro da Capelinha.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Flores e chapéus feitos com palha de coco verde foram levados pelo mineiro Carlos, que sonha terminar o ensino fundamental – Antonio Cruz/Agência Brasil

Um dos fiéis, Carlos Silva, que também tem nome de santo e é devoto de Padre Cícero, optou por não entrar nas estações da Via Sacra. Carlos preferiu esperar no pórtico de entrada para oferecer produtos artesanais feitos com a palha do coco verde. Chapéus, cestas de alimentos, flores… Ele, também analfabeto, diz que sonhava na infância, em Montes Claros, Minas Gerais, estudar medicina. Mas “tudo deu errado”. 

Viu-se sozinho e sem a família. Virou pessoa em situação de rua por quase 10 anos. Passou a puxar carrinho de reciclagem e nas ruas aprendeu com amigos como se dobrava a palha do fruto. Aprendeu a escalar a árvore e a dormir debaixo dela. Hoje, aos 39 anos, mora de favor, em Planaltina, com dois amigos, e sai pelas ruas para vender sua arte. 

“Ter uma casa para morar, terminar o curso de ensino fundamental pelo EJA [Educação de Jovens e Adultos] e alugar uma loja seriam milagres para mim. Eu ficarei rezando e ouvindo daqui”. E, enquanto reza, suas mãos transformam o coco em mais uma flor.

Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br

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